O avanço da Covid-19 em nível global e a decretação de pandemia pela Organização Mundial da Saúde criaram um impacto exponencial negativo jamais visto na atividade econômica, em um efeito cascata sobre diversos setores produtivos, aumentando as incertezas das organizações quanto à possibilidade de cumprimento de contratos celebrados.
Tais impactos levam as partes contratantes à discussão sobre a necessidade de renegociação de cláusulas contratuais ou, em casos mais extremos, pressionam para a aplicação do instituto da força maior do Código Civil (artigo 393), previsto em alguns contratos, o qual exclui a responsabilidade do devedor pelo inadimplemento das obrigações em razão de acontecimentos imprevisíveis e inevitáveis quando da celebração do contrato e que conduzam a um impedimento real e comprovado do seu cumprimento.
A questão que se coloca no atual momento é se a pandemia da Covid-19, a priori, pode ser considerada um motivo de força maior que possa gerar um empecilho para o cumprimento das obrigações previstas no contrato, seja de forma temporária ou definitiva.
A pandemia em si, de forma estritamente genérica, não é motivo de força maior sob a luz do Direito brasileiro. A configuração de elementos comuns para sua aplicação, contudo, como a imprevisibilidade do evento e seus impactos para o cumprimento de determinadas obrigações essenciais à atividade em questão, possibilita a aplicação do mecanismo jurídico.
Pela leitura do artigo 393 do Código Civil, o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior se não tiver responsabilidade expressa por eles. O caso fortuito ou de força maior verifica-se ainda quando os efeitos decorrentes do acontecimento não podem ser evitados ou impedidos.
Dessa forma, para aplicação do instituto da força maior, deve ser realizada uma análise completa dos impactos concretos decorrentes do evento, através dos fatos que a motivaram e não apenas a sua simples presunção, a fim de excluir a responsabilidade daquele que quer se beneficiar de tal instituto.
No caso dos impactos causados pela Covid-19, os prejuízos de cada parte devem ser observados em uma avaliação cuidadosa sobre a possibilidade de continuidade de cumprimento das obrigações contratuais. Caso a Covid-19 resulte em significativo impacto nas operações de determinada parte, é necessário haver a devida comprovação da relação direta do evento imprevisível com os efeitos que deram causa ao inadimplemento ou desequilíbrio contratual, como a perda de faturamento ou o fechamento de estabelecimentos determinadas pelo poder público, entre outras provas.
A revisão dos termos contratuais só é possível, por assim dizer, mediante a apresentação de provas substanciais. Vale destacar que essa exigência se aplica sobretudo aos contratos que possuem cláusulas genéricas que versam sobre força maior e não àqueles que possuem cláusulas específicas e abrangentes, determinando quais são as hipóteses que ensejam a alegação de força maior, como, por exemplo, contratos de seguro. Estes possuem entre as excludentes de força maior as pandemias, ou contratos que tenham como território países em moratória/default, impedindo ou dificultando assim a remessa/pagamento de royalties ou demais valores em moeda estrangeira.
Importante ainda observar que o devedor em mora ou contumaz não pode alegar força maior quando a pandemia causou impacto em sua atividade, se este já estava em descumprimento contratual.
O cenário polêmico e incerto atual demonstra que será necessário que a parte contratante entenda o ponto de partida do contrato para se posicionar quanto a uma possível negociação, bem como estar preparado para lidar com qualquer situação adversa, evitando, na medida do possível, que tais decisões e consequências sejam arbitradas por um terceiro alheio às partes.
Certo é que os acontecimentos advindos da Covid-19, ensinam que as partes contratantes deverão, daqui por diante, atentar para a previsão contratual de cláusula de força maior decorrente de pandemias e isolamento social, assim como delinear cenários estratégicos para cada relação contratual, com balanceamento de riscos e revisão de direitos e obrigações de cada parte.
Paulo Torquato é advogado do escritório Montaury Pimenta, Machado & Vieira de Mello.