Nesta quinta-feira, o plenário do STF iniciou o julgamento de cinco ações contra MP 954/20, que prevê o compartilhamento de dados de clientes pelas empresas de telecomunicações com o IBGE, durante a pandemia do novo coronavírus.
O julgamento de hoje contou com as sustentações orais e o voto da relatora, ministra Rosa Weber, que reafirmou sua decisão anteriormente concedida, ou seja, pela suspensão dos dispositivos previstos na referida MP. O julgamento continuará na sessão de amanhã.
Contexto
As cinco ações foram propostas pelo Conselho Federal da OAB, pelo PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira, pelo PSB – Partido Socialista Brasileiro, pelo PSOL – Partido Socialismo e Liberdade e pelo Partido Comunista do Brasil.
A MP obriga as empresas de telefonia fixa e móvel a disponibilizar à Fundação IBGE a relação dos nomes, dos números de telefone e dos endereços de seus consumidores, pessoas físicas ou jurídicas. Os dados compartilhados, segundo o texto, serão utilizados para a produção de estatística oficial por meio de entrevistas domiciliares não presenciais.
Conforme os autores das ações, a MP viola os dispositivos da Constituição Federal que asseguram a dignidade da pessoa humana, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, e o sigilo dos dados, entre outros argumentos.
Relatora
A ministra reiterou os pontos da liminar anteriormente concedida quando disse que a MP não definiu apropriadamente “como” e “para que” serão utilizados os dados coletados. Nesse mesmo sentido, a ministra falou sobre a generalidade da norma, pois não delimitou o objeto da estatística a ser produzida com os dados, nem a finalidade específica, tampouco a amplitude.
Rosa Weber citou a notícia disponibilizada no site do IBGE nesta semana, a qual informa que a Fundação começou a coleta por telefone da “PNAD Covid” em mais de 190 mil domicílios, a PNAD é a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. A relatora, então, questionou: se é possível fazer pesquisas com uma amostragem com pouco mais de 200 mil domicílios, por que seria necessário o compartilhamento de centenas de milhares de dados de brasileiros no cadastro das empresas de telefonia com o IBGE?
A relatora afirmou não ser possível comparar a obtenção de “nome, número e telefone” dos brasileiros previstos nas listas telefônicas do passado ao patamar tecnológico atual. A ministra ressaltou que atualmente, a partir de tais informações, a tecnologia consegue confeccionar um perfil individualizado e detalhado do cidadão.
A ministra frisou que a referida MP não contempla fiscalização ou consequências sobre responsabilização por acesso indevido ou mau uso dos dados e, por fim, a relatora propôs o referendo da medida cautelar.
Sustentações orais
Pelo PSOL, requerente na ADIn 6.390, o advogado André Maimoni defendeu a inexistência de urgência e relevância para a edição da referida MP e que o governo Federal, de maneira irrestrita e mal regulamentada, pretendeu ter acesso a dados gerais e sensíveis de todos os cidadãos. Pediu, portanto, a ratificação da medida liminar da ministra Rosa Weber ao dizer que não existiu o elemento da ampla transparência na referida MP.
O advogado Marcos Coelho, pelo Conselho Federal da OAB na ADIn 6.387, afirmou que, se a referida medida continuar em validade, corre-se o risco de 120 milhões de dados pararem no “gabinete do ódio” e, por conseguinte, causarem prejuízo à sociedade e às instituições. O causídico reiterou que a medida expõe os brasileiros à violação do sigilo sem ter clara a finalidade e a maneira como os dados serão protegidos. Pediu, por fim, a suspensão da MP.
O advogado Bruno Bioni, pela Data Privacy Brasil admitida como amicus curiae, afirmou que a MP configurou uma interferência excessiva nos dados dos cidadãos. Para o causídico, o caso julgado em questão “tem tudo para ser histórico”, pois tem a potencialidade de atualizar o quadro de direitos fundamentais.
Leonardos Fernandes, pelo IBGE na posição de amicus curiae, afirmou que o órgão já desenvolveu protocolos para a conficialidade dos dados dos brasileiros. Para a Fundação, a MP é constitucional e defendeu que não há entidade mais indicada do que o IBGE para ter acesso a tais dados, já que em 83 anos a fundação jamais experimentou qualquer mácula.
O amicus curiae Laboratório de Políticas Públicas e Internet, foi representado pelo advogado Paulo Sarmento. Para a entidade, é “despropocional” que o IBGE tenha os dados dos clientes das empresas de telefonia, ressaltando que tal exigência se configura um desrespeito. O advogado indicou a adoção de certas salvaguardas para as pesquisas, como, por exemplo, uma auditoria externa de fiscalização e supervisão do uso e da proteção destes dados.
José Levi, pela presidência da República, defendeu que não há inconstitucionalidade material na MP. O AGU ressaltou que o objeto da medida é a obtenção de nome, endereço e telefone, – apenas – e que tais dados seriam encontrados em uma “simples lista telefônica”. José Levi defendeu que não há direitos fundamentais contrapostos: o que se tem aqui é a autorização legal para acesso do IBGE a nomes, endereços e telefones para fins de entrevistas telefônicas, que poderão ser recusadas, afirmou.
O PGR Augusto Aras primeiramente se solidarizou também com os jornalistas agredidos no último domingo. Sobre o caso, Aras entendeu que a norma impugnada não se trata de uma invasão de privacidade. O PGR lembrou que os países de 1º mundo disponibilizam os dados previstos na medida em casos de tragédias e mergências, para que os cidadãos recebam mensagens sobre a situação do país. Por fim, o MPF se associou à defesa feita pela AGU para postular a improcedência dos pedidos.