Embora a bula seja o mais importante documento sanitário de veiculação de informações sobre um medicamento, não se pode aproveitar da tramitação administrativa de pedido de atualização junto à Anvisa para se eximir do dever de informar o público sobre os riscos inerentes do uso.
Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça manteve a responsabilização de um laboratório por conta de efeitos colaterais que causaram a uma consumidora a compulsão por jogo.
A paciente tomou a medicação para Mal de Parkinson, após aumento da dose, dilapidou o patrimônio pessoal de forma considerável ao participar compulsivamente de bingos por três anos.
O laboratório alegou que não houve falta de informação, pois seguiu as normas da Anvisa e inicialmente já incluiu na bula o aviso: “este produto é novo medicamento e, embora pesquisas realizadas tenham mostrado eficácia e segurança quando devidamente indicado, podem ocorrer reações adversas imprevisíveis ainda não descritas ou conhecidas. Em caso de suspeita de reação adversa, o médico deve ser notificado”.
Segundo a relatora, ministra Nancy Andrighi, o fato de uso de medicamento causar efeitos colaterais por si só não configura defeito do produto se usuário for previa e devidamente informado e advertido sobre tais riscos. Assim, pode inclusive decidir de forma livre e consciente sobre o tratamento que lhe é prescrito, além minimizar eventuais danos que já sabe que terá.
Não foi o que ocorreu no caso, no entanto. A ministra afirma que é fato incontroverso que jogo compulsivo — uma doença inclusive reconhecida pela Organização Mundial da Sáude — foi reconhecido como efeito colateral da medicação. Quando a paciente passou a fazer uso do produto, isso não constava na bula. Embora agora conste, isso não afasta a responsabilização do laboratório.
Comprovação dos danos e liquidez
Em recurso especial, o laboratório contestava a comprovação do valor dos danos, segundo cálculo aritmético simples — o montante dilapidado do patrimônio da paciente com a compulsão chegaria a R$ 1,1 milhão. Por outro lado, a autora da ação tentava comprovar lucros cessantes: o valor que ela deixou de ganhar por conta dos efeitos que essa compulsão causou.
A 3ª Turma aplicou a Súmula 7 e, por não poder analisar provas, manteve a decisão. Por outro lado, afastou a culpa concorrente da autora determinada pelo tribunal de origem. Considerou-se, a princípio, que o aumento da dose do medicamento e seu uso combinado com outro remédio piorou o quadro clínico. E para isso, a autora também teria parcela de culpa.
“Em nenhum momento é imputado à paciente o comportamento de ingerir dosagem superior à recomendada pelo laboratório ou prescrita pela médica. Não se sustenta o fundamento do acórdão para reconhecer culpa concorrente da paciente, no sentido de que a hipossuficiente técnica para valiar alteração medicamentosa não afasta o dever de cuidado com a própria saúde e consultar especialista médico”, apontou a ministra Nancy Andrighi.
REsp 1.774.372